Saturday, January 15, 2011

André o pequeno traquina


Lá seguia o pequeno malandro, André, cabelo esgadanhado, dentes espaçados e cara sempre rosada das correrias e pulos. Joelhos feridos pelas futeboladas, arranhões nos braços por trepar árvores e arvoredos. Mas sempre sorridente, sempre feliz com as suas aventuras na sua terra e nas suas viagens imaginarias pelos prados encantados, mares perigosos e céus trovejantes.

- ANDRÉÉÉÉ! Hora do jantar. Chamava sua mãe pela janela da cozinha.

Lá está ele, entretido no seu quintal acompanhado pelo sua ajudante Jacinto, seu amigo e companheiro de quatro patas, peludo albino malhado de castalho torrado e de porte forte e arrojado.

- Jacinto, traz-me essa pá, temos de escavar.

-Urf. Resposta canina mas muito bem compreendida pelo pequeno iletrado, sabedor de muitas línguas, domino verbal, ouvidos tuberculosos e linguagem gestual ágil e versátil.

Um Sr. com palavra, auto-intitulava-se assim, mas a verdade era mesmo essa, apesar de ter uns simples e pequenos quatro anos já dominava a língua como um Sr. antigo estudioso de gramáticas e vocabulários.

Todas as noites, mesmo ainda em ovo não chocado, ouvia histórias de encantar por sua mãe que o entretinha e tentava-o acalmar, sempre a pontapear e rebolar no ventre de sua pobre mãe.

Estava habituado a palavras elaboradas, adjectivos e complementos verbais. Era um ás nas palavras, na expressão de sentimentos de definições de objectos, lugares e saberes.

- André! Não te volto a chamar. Ai o tom de sua mãe já era mais sério e já se encontra na porta de acesso ao quintal.

- Que te disse eu minha mãe? Não te pedi que não entrasses no meu território?! Estamos em investigações perigosíssimas, estamos a procura do túmulo da múmia faraó.

- Não estamos um pouco longe do Egipto? Perguntou sua mãe fingido alinhar na brincadeira.

- Tu não estas perto, estas longe por sinal, ai nos degraus da cozinha, estas na Europa, pequena e fria sem histórias antigas. Eu estou no deserto do Saara, onde as histórias são imensas, onde as munias ganham vida, onde os gatos são guardiões e as areias movediças.

- Vá, acabou a brincadeira, vai mas é lavar as mãos e depois mesa, está na hora do jantar.

- Mas minha mãe….

- Xiu, já mandei, quando começas com esse palavreado é sinal que queres rambóia e brincadeira, mas agora esta na hora de comer, depois do jantar podes continuar a tua outra aventura. Sua mãe também era expressiva e o seu regalar de olhos e tom acentuado fez o recordar a sua outra aventura, não em terras movediças mas nos Alpes no meio do verde e em busca do Big Foot.

- Jacinto! Preciso que guardes este túnel, não deixes que nenhuma múmia saia daqui e não deixes que ninguém entre aqui, é perigoso. Conto contigo Jacinto. Dizia a criança agachada com ar de seriedade e imposição e seu dedinho indicava ordem e respeito. O São bernardo sentado com seu rabo a dar a dar ouvia com entusiasmo e ladrou como forma de mensagem recebida.

- Muito bem jacinto, sabia que podia contar contigo.

Correu em direcção a sua mãe e abraçou-a com carinho.

-Gosto muito de ti mama.

O Jantar foi animado. André contava as suas aventuras do dia ao seu pai que tinha a pouco vindo do trabalho. Mas este não só falava das suas aventuras fantásticas onde o seu era laranja, a relva rosa e as nuvens algodão doce, este também se preocupava com o seu pai, queria saber das suas aventuras e lavouras.

- Então pai e o teu dia? Monótono ou com loucuras de computadores e engenhocas?

Seu ar era de curioso, ansioso por saber, seu olhar era regalado. Olhos grandes, redondos e castanhos, castanhos como carvalho, intensos mas sem enganos, suas pestanas longas e redondas, emolduravam o seu olhar gigante. Sua tez era pálida, mas não doente, tinha apenas a brancura de um príncipe nórdico, seu rosto quadrado de maxilar já másculo mostrava ar de rapaz forte e acelerado, mas suas bochechas ainda de bebe menino davam graça e encanto, vontade de as apertar, o que era complicado na presença de sua avó que o atormentava em abraços e beijos babados. Seu cabelo de ébano encaracolado dava graça e estava sempre despenteado.

- Bem André o meu dia hoje foi agitado. Então não é que um dos computadores que tinha para arranjar ganhou vida?!

- Sério, então e depois? Perguntou muito preocupado e espantado, até deixou cair a colher da sopa e assim sujar-se todo com pequenos pedaços de caldo verde.

- Então… para já fiquei assustado, não é normal um computador falar comigo não é verdade.

Depois de ter caído da cadeira e ter recuperado do susto…..

Ai a criança riu a gargalhada.

- Há há, caíste papa, acho que de coragem saí a mãe. Seu regalo era imenso, recostou-se para trás com orgulho da sua valentia mexendo no peito como se fosse um Lorde que combateu dragões.

- Então André, foi só porque fui apanhado de surpresa, mas logo me preparei, peguei no cabo da vassoura, pus o cesto na cabeça e aproximei-me da secretaria agachado. Mas logo vi que o computador não me queria fazer mal, estava apenas com muitas dores.

- Como se chamava?

- Lucy, era uma computadora.

- Sério? He he, e o que ela tinha?

- O dono tratava-a mal, o seu teclado estava dorido e já sem teclas, o seu rato desnorteado, não seguia bem a seta e estava sempre com a luz a piscar. A torre, bem nessa parte metia dó, coitada da Lucy, então não é que na boca, por onde se mete os cd’s estava la uma fatia de queijo?!

- Não posso. Diz a mãe metendo sua mão a boca espantada com tal brutalidade.

- Já viste André. Coitada da Lucy.

- Pois é mama, não compreendo como alguém pode fazer assim mal a um computador, aliás a uma computadora. Coitadinha. Mas papa ela já esta boa?

- Sim já, e ainda dei um raspanete ao João, dono da Lucy, disse-lhe das poucas mas boa.

- He he papa, tu e os teus raspanetes, olha que ainda fico com pena do João.

Os jantares eram sempre animados, o pai do André tinha sempre histórias fantásticas para contar, ou eram folhas que voavam pelo escritório, ou eram canetas que estavam doentes e vomitavam o balcão ou então clientes estranhos como o Sr. Claudiano, que tinha três olhos ou a Sra. Arlete que tinha um ouvido na barriga e para esta ouvir melhor tínhamos de berrar na sua barriga.

Mas os risos do André eram tão calorosos e cheios de vida que era inevitável contar histórias estranhas e cheias de sons, cores, gestos e loucuras.

Mal acabou de comer o seu ultimo gomo de laranja o pequeno jovem limpou sua boquinha e preparou-se para levantar.

- Bem, gostei muito da companhia, a conversa foi agradável, mas agora tenho de subir até aos Alpes, tenho um Big Foot por apanhar.

- Vai, mas antes de seguires viagem aconselho-te a lavar os dentes.

Subiu o banquinho, abriu a torneira, molhou a escovinha vermelha, meteu pasta de dentes e lavou os seus dentinhos com muito cuidado e jeito, de sorriso bem aberto em frente ao espelho e muito inclinado esfregou cada dente com muito cuidado.

Ao sair da casa de banho viu la uma mochila impermeável, abriu e viu uma lanterna de plástico, uma cordinha, termo para o café quente e uma peça de fruta de plástico.

- Obrigado mama. Correu até esta e agarrou-a de beijos e carinhos.

- Só quero que faças uma boa viagem.

- Sim Mama, vou fazer.

- Mas olha, não te esqueças….

- Sim eu sei, eu chego antes da hora de me deitar.

A aventura começou logo na saída da cozinha.

Estava vento, muito vento e frio, um pouco chuvoso também, mas o André respirou fundo e deu um pulo para fora da cozinha, quando sentiu os pés na terra abriu os olhos e viu montes, prados e serras, verde por toda a parte, estava frio mas o dia estava bonito, foi a cantarolar de cabeça erguida e sem companhia, mas logo o vento se tornou mais forte. De longe se avistavam umas nuvens negras e carregadas de trovoada e chuva bem molhada. Fechou seu corta-vento amarelo, abriu a mochilinha, tirou seu chapéu vermelho de abas largas e calçou suas galochas encarnadas.

- Agora estou pronto, não és tu sua chuvinha que me vais atrasar.

A chuva vinha com muita vitalidade, força e pujança, umas árvores de tronco grosso de 2m de diâmetro eram arrancadas da terra, via-se as raízes lutarem por terra firme, tentando se manter de pé e agarradas a terra. O André ainda tentou ajudar uma, de joelhos agarrou na raiz que o apertava com força e medo.

- Ajuda-me, ajuda-me, pedia a árvore por amparo.

- Estou a tentar, estou a tentar. Falava com esforço pois a força que fazia era muita, mas mesmo assim, sentiu a raízes cada vez mais solta e assim se foi, levada com o vento, foi a árvore gritando: obriiiiiiigadoooooooooooooo.

O André cansado só acenava a pobre árvore que voava sem destino.

Mas o vento não tarda estava acompanhado pela chuva, o que ia ser complicado, pois logo estaria a escalar uma montanha, a escada mais propriamente, mas com a chuva seria difícil, pois o vento já o deixava a cambalear e a andar aos ziguezagues, quanto mais ainda levar com agulhas de água enquanto tentava trepar.

Ao olhar para o cimo, para o pico avistou uma sombra e gritou: BIG FOOT!

A sombra parou pela chamada mas logo correu de fugida e medo do seu caçador.

- Vou-te apanhar disse o André com olhar cerrado, boca contraída e de punhos fechados.

Foi até a sua mochila e pegou na corda que outrora tinha apenas meio metro e era a velha corda do estendal, mas agora era um valente cabo de alpinista, comprida de 10 metros ou mais, algo imenso que quase não tinha fim. Amarrou-se ao dito cabo e seguiu a escalada, estava difícil a chuva estava cada vez mais forte e torvava-lhe a vista, pegou nos óculos que tinha no bolso de dentro do casaco: Obrigado mãe, sempre preocupada comigo.

Agarrava-se ao corrimão com força, como se fosse cair, a chuva era violenta e o vento nada amigo, gritava para ganhar força e alcançar o próximo rochedo, trepava com cuidado agarrava-se com força, mas uma pequena derrocada fez com que uma pedra pisasse sua mão e assim apenas suportado por uma mão estava alarmado, mas num instante ganhou força, deu balanço com os seus 18, 57 kg e conseguiu dar uso a sua outra mão, sorriu com vitoria e com novo animo chegou ate ao topo da montanha, caiu de exaustão e de respiração ofegante, mas o arfar e grunhidos do Big Foot num instante o chamaram atenção e quando se preparava para a perseguição.

- André, acabou a perseguição, amanha acabas a tua aventura.

- Mas mãe... seu ar de frustração.

- Vá lá filhote esta tarde e sabes que a vizinha da frente tem um bebe que precisa de dormir e já viste o que é ele estar a ouvir os gritos do Big Foot capturado!? Era chato.

- Sim tens razão, o Big Foot é muito barulhento, em pequeno muitas vezes não dormia com os gritos dele.

- Pois é, a mãe lembra-se.

Vai para o pé o do pai ver televisão e beber o teu leitinho enquanto a mãe vai-te abrir a cama.

- Visto já o pijama?

- Sim, anda cá.

Saltou para a cama e contava a sua aventura enquanto a mãe lhe despia a camisola.

Já com o seu pijama de riscas a menino crescido, camisola de abotoar, branco de listas cinza e azuis seguiu aos pulos até ao seu pai e sentou-se ao seu lado e ficou a olhar para o pai fixamente.

- Pai, quando eu for grande também vou ser assim tão alto como tu?

- Se comeres sempre tudo e não fizeres birras em relação aos brócolos.

- Mas eu não gosto de brócolos, aquilo faz-me cocegas na boca. Eu quero ser gigante como tu.

- Gigante, eu? O pai deu uma gargalhada.

- Sim, tu tens ai uns 3metros, és muito alto, a mãe ao pé de ti parece tão pequena, bem então a bisa avó, parece mesmo anã ao pé de ti.

- Pois o pai é um bocado alto, lá nisso tens razão, mas dai a ter 3 metros, isso é muito.

- Mas estas lá perto não está? Ai uns 2,83 m.

- Para ai, mais metro menos metro.

- Ok. Cruzou seus braços e ficou a ver a televisão com o pai. Estavam a ver um programa sobre dinossauros.

Pegou no leite que estava na mesa de centro e bebeu enquanto imaginava como seria viver na época dos dinossauros, estava apático, fixado na televisão mas não a via ou pelo menos não lhe prestava atenção. O Seu pai já conhecia o olhar e deixou-o viajar pelos pântanos e fugindo das patadas do Rex.

- Bem jovem, está na hora de deitar.

- Não tenho sono. Dizia enquanto esfregava o seu olho.

O pai pegou-lhe, barriga para baixo de braços e pernas bem esticados sentia o vento a passar pela sua face. O Pai levava-o a fazer uma viagem de vaivém, passava rente ao tecto, queda livre até ao chão, raspagem pelos quadros e roçar dos cortinados no rosto. Ria as gargalhadas o pequeno, futuro gigante. Sentia cocegas na barriga, era o seu pai a soprar com força na sua barriga ainda gordinha de ser pequeno. Aterrou em segurança na pista de aterragem, seus lençóis de listas grossas indicavam bem o caminho. Sua mãe já estava pronta para o aconchegar e deu um beijo bem apertado na sua testa e bochecha vermelhinha.

- Então e hoje quem conta a história, eu ou a tua mãe?

- Pode ser mãe, para ela não ter ciúmes. Disse sussurrando ao ouvido do pai.

- Então enquanto a mãe te conta a história eu vou passear com o Jacinto. Tomas conta da mãe?

- Claro, quando não estás cá, sou eu o homem da casa.

Despediu-se com um bom abraço do pai e preparou-se para a história de sua mãe. Adorava as histórias da mãe, eram sempre cheias de acção, duendes que sabem magia ou alguns passos de luta, fadas com asas partidas, feiticeiros velhos que ensinam a arte da magia a jovens como ele, reis que lutam contra seres estranhos e nomes estranho. “A minha mãe devia ter sido maria rapaz em pequena”, pensava muitas vezes, pois tanta agitação era estranha numa mulher, pelo menos era o que ele via no parque quando brincava com as meninas, que só querem fazer chazinhos e bolinhos ou então mudar as fraldas as bonecas, maçador achava ele. Mas a sua mãe brincava com ele na lama, enchiam balões de água e brincavam com os outros meninos da rua.

- “Era uma vez um duende de orelhas bicudas que adorava trepar árvores e meter-se com os pássaros que lá viviam, mas um dia um mocho grande, de cara achatada, de bico pequeno e arqueado já cansado de suas traquinices lançou-lhe um feitiço e este não só ganhou asas como recebeu um bico, sua pele ficou coberta de penas e sua voz ficou perdida….”

Caiu no sono, o dia tinha sido agitado, desligou-se a luz, recebeu um beijo carinho e a porta ficou encostada. O sono não era ainda pesado, imaginava o resto da história do pequeno duende que virará pássaro. Mas um som vindo do outro lado da janela chamou-lhe atenção, fechou o velho baú, cheio de utensílios de lutas e pesquisas e trepou o mesmo e assim em pontas espreitou pela janela, estava uma sombra a mexer no túnel do faraó. É verdade o Jacinto foi esticar as pernas e este Sr. aproveitou-se: Vou-te já apanhar caça tesouros.

Deu um salto enorme do baú e caiu sobre o tapete que derrapou quase até a porta e foi numa correria pelo corredor, sua mão logo apanhou o corrimão e deslizou até as escadas e descia-as de forma frenética, já não eram os Alpes de a pouco em noite tempestuoso. Ao chegar até a cozinha viu a sobra aproximar-se da porta da rua, seu olhar brilhou de adrenalina, lembrou-se do seu pai e da Lucy então foi até a despensa, pegou num tacho e na vassoura.

Do outro lado da porta seu pai limpava bem os pés da terra lameada, estivera a por tesouros para o André desvendar e ao abrir a porta deparou-se com o seu filho de pijaminha, ar valente, pegando na vassoura como se fosse um taco de basebol, seus olhinhos mal se viam por causa da panela enfiada na cabeça, sua boca cerrada num lapise gritou: VOU-TE APANHAR LADRÃO DE TESOUROS.

Correu sem medo em direcção do ladrão, protegia sua mãe mas o ladrão desviou-se a pegou-lhe ao colo e beijo-lhe o pescoço com muita força e amor. Era o seu pai, tinha afugentado o ladrão.

- Viste o ladrão pai?

- Sim vi, e ainda bem que cheguei a tempo, ele estava a pensar em entrar em casa, mas já sabes como sou, dei-lhe um valente raspanete.

- Ou seja ele já não volta.

- Não e já podes dormir descansado.

Mais uma vez foi deitado na cama e desta vez apaparicado pelo pai, virou o seu rosto, fechou os seus olhos e fui para a terra dos sonhos.

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